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Jornalista paraibana lança livro de crônicas em homenagem aos 65 anos de Brasília

WALESKA

“Não tem mais brasiliense, mulher, inteira e rasgada que Waleska”, diz a apresentadora da obra, a doutora em Literatura Julliany Mucury.

Ao completar 25 anos como moradora de Brasília, a escritora e jornalista paraibana, Waleska Barbosa, homenageia a cidade com “Ipês não são domesticáveis”. Publicado pela AVÁ editora, a obra tem prefácio de Tom Farias, apresentação de Jullyany Mucury e traz   65 crônicas, a mesma idade que a capital do país completa em 21 de abril. O lançamento ocorre na quinta-feira, 17/04, no Baóbar, a partir de 18h, com apoio do Sindicato dos Escritores do DF (Sindescritores).

A poeta, cantora e atriz Marina Andrade, integrante do Coletivo Julho das Pretas que Escrevem no DF, vai conversar com a autora e interpretar algumas das crônicas do livro. A noite também é a Quinta do Forró do Baóbar e tem como atração musical a Banda Dom Quixote.  

“Ipês não são domesticáveis” tem suas crônicas selecionadas do blog Um por dia, criado por Waleska em 2017 e que também serviu de base para o seu primeiro livro, Que o nosso olhar não se acostume às ausências. Desta vez, a cidade onde foi morar, nos anos 2000, como recém-formada em jornalismo, deu o tom da narrativa, a começar pela crônica que intitula o livro.

A florada do ipê, árvore-símbolo da cidade, é famosa por colorir e marcar o cenário tantas vezes árido das estações seca e chuvosa que se revezam no “quadradinho” destacado no mapa do Centro-Oeste brasileiro.

Como no livro de estreia, é a partir de sua condição de gênero, raça e  classe que a autora retrata um cotidiano que podia ser sufocante, no contexto de uma grande cidade e de tantas missões a serem cumpridas  por ela. No entanto, é de onde, por meio da observação precisa dos movimentos e jeitos da capital, retira a matéria/inspiração/objeto com que escreve.

Com 156 páginas, “Ipês não são domesticáveis” tem projeto gráfico de Masanori Ohashy e exibe na capa um bordado em papel, assinado pela irmã da autora, Vitória Maria Barbosa Widmer. “É um trabalho lindíssimo, que expressa a força, a cor, a magia, o encanto e o lúdico dos ipês. Um presente que me honra, emociona e reforça o afeto que permeia uma obra que começou como um projeto independente e chega ao mercado pela força do coletivo, do aquilombamento e da chegada da AVÁ para me incentivar a seguir”, diz Waleska.

Estética e política

Em Ipês não são domesticáveis, Brasília pulsa nos detalhes que muita gente renega e insiste em não ver. Waleska Barbosa reitera sua marca de observadora arguta. É por ali que escorre a verve cronista da autora. O tema das crônicas está no vão, no gole de cerveja do sábado, nos efeitos da seca e da chuva, nas figuras que circulam pelas ruas, nos artistas mambembes, na música e nos encontros, capturas que oferecem um contraponto à Brasília conhecida por ser o centro político do país.

“É uma alegria poder, enfim, concluir o livro, cujo projeto teve início em 2022. “Entrego ao público uma obra de muita qualidade, que envolve profissionais excelentes. Concordo com a grande mestra Conceição Evaristo quando lembra que, para uma mulher negra, escrever é um ato político. Brasília é inspiração diária e poder compartilhar as crônicas que, de alguma forma, remetem à cidade, sua cultura e figuras, é cumprir um papel não apenas estético, mas político”, reforça.

O estilo da autora é comparado ao de Rubem Braga, considerado um dos maiores cronistas brasileiros, pelo também escritor Tom Farias. “Em muitos aspectos lembra Rubem Braga, que lidava em suas crônicas com o universo do amor ou da “vida simples, dos humildes e sofredores”, abordando “assuntos do dia a dia, da infância, da mocidade” e dos “amores da vida”. Waleska Barbosa mistura todos esses ingredientes com um toque ardente de sua condição de mulher negra, artista e intelectual”, escreve ele.

“Esteja atento para uma escrita que tem espinhos, como boa flor que é. “Não tem mais brasiliense, mulher, inteira e rasgada que Waleska”, afirma Julliany Mucury.

Sobre a autora

Waleska Barbosa nasceu em Campina Grande/PB, em 1976. É mãe de Morena Barbosa Cidrin Gama Alves, filha de Maria e Manoel Barbosa, neta de Severina e Cassimiro Lopes da Silva, Ana Maria e José Barbosa. Em 2017, criou o blog www.umpordiawb.com.br, iniciando sua carreira literária.  Colaborou com os projetos Revista Armazém na Estrada, Mães que escrevem e Bora Cronicar. Teve textos publicados pela revista LiteraLivre e em coletâneas como o Livro das Marias, Elas e as Letras – Insubmissão Ancestral, na qual foi autora convidada, Oralidade agora se escreve e Desarquivado. Publicou poema na Revista Mahin, Ano 2, Número 3 (Editora Malê).  Que o nosso olhar não se acostume às ausências, de crônicas, seu livro de estreia, foi lançado em 2019, em edição independente e relançado pela editora Arolê Cultural, em maio de 2021. Com ele, participou da programação da Câmara Brasileira do Livro, na Feira do Livro de Frankfurt, em 2019, a convite do Projeto Sara e Sua Turma. No mesmo ano, lançou a obra na Câmara dos Deputados, a convite da Comissão Organizadora do Novembro Negro e na Feira Literária de Campina Grande. Também com a obra, inaugurou a Estante Preta, na Banca da Conceição, em Brasília. Desde 2022, apresenta o programa Quilombo de Wal, na TV Comunitária de Brasília, onde entrevista personalidades negras. Idealizou o Julho das Pretas que Escrevem no DF, coletivo que reúne 70 escritoras e realiza um encontro anual, na programação do Latinidades, maior festival de mulheres negras da América Latina. Ministra a oficina Um por dia – a prática da escrita como forma de cura e autoconhecimento. Foi ganhadora do Edital Catarse + Livros de incentivo a escritores independentes. Em setembro de 2024, recebeu Moção de Louvor da Câmara Legislativa do DF, pela sua contribuição à literatura do Brasil e de Brasília.

Trechos do livro

Não há entendimento que o ipê possa trazer. Ao contrário, ele reforça mistério. Ele brada vigor. Ele nos convulsiona em enigma. Como acontece? Pelo grande poder da natureza, como diz o mote do poeta popular. Dói na vista. Abranda a alma. Enternece os fracos de coração. Toda a cidade sarapintada por suas luzes. Seu rosa perfeito. Cachos simetricamente construídos por pétalas unidas uma a uma. Como um buquê de flores artificiais tecido por artesã caprichosa.

Melhor não tocá-los. É sábio não querer um exemplar em casa. Os ipês não são domesticáveis. Andam em bandos. Gostam da coletividade. Não fazem sentido se isolados. Seus cachos. Suas árvores. Não renunciam à liberdade de apenas ser. E estar. Disponíveis. Para que, súditos errantes, nos deixemos embriagar. Por sua imponência.

(Ipês não são domesticáveis)

É fácil a gente esquecer que o mundo existe. Em Brasília. Aqui se pode ficar restrito a eles, dablius, tesouras, alicates e eixos num piscar de olhos. Logo se perde a noção de ruas, avenidas, centros, multidões, gritos de pregoeiros, sandálias baratas e desgastadas, manchas d’água nas axilas. Pele queimada de andanças desavisadas. A mão estendida por uma moeda. Ou por cachaça, que não se vai mentir.

(É fácil em Brasília)

Fotografia: Gilberto Soares