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Nos EUA, sobra EMPREGO; falta TRABALHADOR

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Nos Estados Unidos, muitas vezes os empregos é que estão buscando as pessoas. Em um cenário onde sobram postos e faltam trabalhadores interessados, os patrões é que precisam ir à luta.

As ofertas chegam mesmo para quem não está procurando. Nas caixas de correspondência, um panfleto de supermercado não traz ofertas, mas elenca as vantagens de trabalhar ali: salário competitivo, planos de saúde e de aposentadoria, escala flexível e plano de carreira.

“Junte-se à nossa família. Toda posição na loja é importante. Este não é só um trabalho –as pessoas realmente amam vir trabalhar aqui”, promete uma mensagem assinada por Patrick Casey, gerente do supermercado Wegmans, que terá uma nova unidade em Washington.

Por mensagem de texto no celular, a Amazon anuncia vagas para trabalhar em um centro de distribuição. O salário parte de US$ 22 (R$ 117) por hora e há um bônus de contratação de US$ 3.000 (R$ 15.983). Se o novo funcionário estiver vacinado contra a Covid, ganha mais US$ 100 (R$ 532). Para concorrer à vaga, basta responder “Y”, de “yes” Na TV, a gigante do varejo veicula comerciais em que não vende produtos, mas destaca a história de um ex-trabalhador de depósito que se tornou enfermeiro. A mensagem é a de que a Amazon pode ajudar os funcionários a pagar seus estudos e, assim, realizar seus sonhos.

Na Flórida, a transportadora Penske oferece US$ 10 mil (R$ 53.278) de bônus de contratação para motoristas de caminhão que aceitem uma vaga. O salário base é de US$ 1.200 (R$ 6.393) por semana, além de benefícios. Empregados que indicarem novos colegas para trabalhar podem receber mais US$ 5.000 (R$ 26.639) de presente.

Em cafés e restaurantes fast food, anúncios de vagas disputam espaço com fotos de comida. No McDonalds, há avisos de “estamos contratando” impressos no copo, no papel da bandeja e no cupom fiscal. Em redes como Starbucks e Wawa, há cartazes na porta, destacando o salário e as vantagens de trabalhar ali, como cafés grátis e auxílio para estudar. Não é preciso experiência em boa parte das funções, incluindo barista.

As ações das empresas são uma resposta ao fenômeno apelidado de “Great Resignation”: a grande renúncia. Ao longo de 2021, em torno de 4 milhões de pessoas por mês pediram demissão de seus empregos, e muitas delas não têm pressa de voltar. Assim, a conta do mercado de trabalho não fecha: 10,9 milhões de vagas foram abertas (a maioria delas para repor demissões) em dezembro, mas só 6,3 milhões de contratações.

Em janeiro, a expansão do emprego seguiu firme, mesmo com a alta dos casos de Covid, em um sinal de que a recuperação econômica segue robusta. Foram criadas 467 mil novos postos de trabalho no mês, ampliando a necessidade de interessados.

“Há menos de uma pessoa disponível por vaga aberta: a média está em 0,76 trabalhador/vaga. É a menor taxa já registrada, e ela continua a cair”, aponta Curtis Dubay, economista sênior da US Chamber, uma das principais associações empresariais do país.

A entidade aponta que 94% de seus filiados relatam dificuldades para contratar. “Quando os negócios não têm empregados suficientes, são forçados a reduzir as horas de trabalho, diminuir sua operação e, nos piores casos, fechar de vez”, aponta Dubay.

“Estamos fazendo de tudo para atrair funcionários. Usamos mais de uma agência de empregos, e recursos online para divulgar as vagas. E temos oferecido bem mais flexibilidade do que antes”, conta Traci Tapani, co-presidente na Wyoming Machine, uma metalúrgica de Minnesota.

Uma das mudanças foi aumentar o número de vagas de meio período, com escalas mais negociáveis, algo menos frequente em indústrias. Há várias razões para a falta de trabalhadores. Muitos temem se contaminar com a Covid, especialmente ao ter contato com o público. Com o fechamento de escolas e creches, adultos tiveram de ficar em casa com os filhos. Americanos que estavam perto de se aposentar anteciparam a saída do mercado.

“Devido ao aumento dos auxílios do governo durante a pandemia, a diferença entre os benefícios financeiros de trabalhar ou não ficou menor, o que encorajou trabalhadores a seguirem fora do mercado”, avalia Ernie Goss, professor da Universidade Creighton, no Arizona.

“Na ‘great resignation’ há duas correntes: uma de pessoas que saíram em busca de outro emprego com salário melhor, e outra relacionada à procura de melhores condições de vida, como um trabalho que traga maior realização pessoal”, avalia Erin Cech, socióloga e professora da Universidade de Michigan.

Cech fez um estudo com 1.628 americanos com nível superior que perderam o emprego ou foram afastados durante a pandemia. Deles, 46% disseram que a busca de sentido e realização pessoal se tornou a principal razão para aceitar ou não um emprego. Só 20% disseram que o salário seria a principal razão, e 13% apontaram a estabilidade na função.

“As pessoas estão reavaliando sua noção do que significa um bom trabalho, de uma forma muito mais holística. E as mudanças que esperam das empresas, como melhora do ambiente e das relações no trabalho, podem demorar décadas para serem implantadas”, aponta.

A pesquisadora pondera que a busca por empregos que tragam um propósito não é algo recente: o movimento ganha força entre os universitários americanos desde os anos 1980, motivado por uma tendência cultural ao individualismo e pela precarização do mercado de trabalho.

“Com as desregulamentações e a globalização, o trabalho de colarinho branco não é mais estável como foi um dia. É preciso fazer jornadas longas e estar disponível para o chefe 24 horas por dia. Os jovens olham para isso e pensam ‘se essa vai ser minha vida, então melhor fazer algo que eu ame’.”

Cech é autora de “The Trouble with Passion” (O Problema com a Paixão), livro que detalha como a busca por um emprego dos sonhos favorece a desigualdade social. Ela dá como exemplo a história de uma jovem que deixou o curso de medicina e foi trabalhar em um estágio não remunerado em uma produtora de vídeos para o YouTube. A jovem não conseguiu um emprego fixo na área e ficou com a dívida do crédito estudantil da faculdade que abandonou.

“Da última vez que falei com ela, ela estava trabalhando como freelancer para uma produtora, mas apenas alguns dias por mês. Ganhava US$ 150 (R$ 799) por dia trabalhado, mas disse que estava feliz com a decisão, por poder ir atrás do que gostava”, disse a pesquisadora.

Muitos jovens têm postado vídeos sobre pedidos de demissão de empregos que não gostam, e vários tentaram fazer deles o início de uma carreira como influenciadores digitais.

Em vídeos recentes, muitos também brincam com cenas de mudança de emprego. “Chefe, recebi uma oferta para ganhar 35% mais”, diz um funcionário em um esquete. “Ok, te ofereço 5% de aumento”, rebate o superior. “Isso não cobre nem a inflação. Estou indo embora.”

Apesar de as empresas estarem aumentando salários, a inflação tem subido em ritmo maior, o que na prática anula os ganhos. Em 2021, os salários subiram em média 4,7%, enquanto os preços ao consumidor avançaram 7%.
No entanto, áreas como restaurantes e lazer (13,4% de alta no salário) e transportes (10,4%) tiveram ganhos acima da alta de preços.

“Conforme a inflação permanece alta, os trabalhadores levarão cada vez mais em conta os aumentos de preços na hora de pedir aumento. Em 2022, o crescimento dos salários e benefícios deve ficar menor que o dos preços, mas em 2023 e 2024 os ganhos devem seguir crescendo mesmo que a inflação diminua” projeta Goss.

Nick Bunker, diretor de pesquisas econômicas da Indeed, um site de anúncios de emprego, concorda que os trabalhadores seguirão com grande poder de barganha em 2022, e aponta que as mudanças no mercado de trabalho estão conectadas com o desenrolar da pandemia.

“Uma grande fatia dos empregos [em 2021] veio de setores que foram liberados [das restrições] com a vinda da vacina, como lazer, hospedagem e serviços pessoais. Se muito do salto na demanda por trabalhadores se deve à reabertura das atividades, em algum momento a economia estará totalmente reaberta e as vagas disponíveis poderão se reduzir”, pondera.

*Com informações do Jornal de Brasília