Dezenove meses depois de registrar a primeira morte por covid-19, o Brasil chegou à marca de 600 mil vidas perdidas pela doença. Com mais 615 óbitos computados ontem pelo Ministério da Saúde, o país soma 600.425 óbitos para o vírus que mudou a história do mundo. Em todo o planeta, somente o Brasil e os Estados Unidos ultrapassaram a barreira de 600 mil mortes. Por aqui, a marca escancara uma sucessão de erros protagonizados, em larga medida, pelo governo federal desde que a pandemia chegou. As falhas passam desde a negação da gravidade da situação e da doença, o atraso na compra de vacinas e o desestímulo de medidas básicas, como o uso de máscara. Além de abreviar a vida de centenas de milhares de brasileiros e provocar uma dor profunda na alma do país, a pergunta que permanece é como será o Brasil após ultrapassar essa marca trágica e emblemática da covid-19.
Julio Croda, infectologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e ex-diretor do Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, chama atenção para o fato de que muitas das 600.425 vidas perdidas para a covid poderiam ter sido salvas caso o governo tivesse tomado atitudes diferentes. “Participei recentemente de um relatório do Imperial College que demonstra que a gente poderia evitar de 28% a 55% dos óbitos que tivemos. Poderíamos ter evitado tudo isso se a gente tivesse um combate mais adequado a pandemia”, pontua.
Para ele, o governo federal negou o caráter emergencial da pandemia. Como tem mostrado a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid-19, cometeu erros clamorosos, que eventualmente podem ser considerados atos criminosos, na avaliação de senadores. Atrasou o processo de vacinação por questões políticas, minimizou a gravidade da doença, optou por disseminar um tratamento precoce ineficaz, com cloroquina e ivermectina, substâncias sem efeito contra a covid-19. “Essa série de erros mostra que o governo federal nunca liderou o combate à pandemia”, avalia Croda.
Em outubro de 2021, o Brasil vive um momento menos dramático, do ponto de vista sanitário, graças à vacinação que o governo tanto relutou em apoiar. Ainda que atrasado, o país conseguiu vacinar a maior parte da população. “92% da população brasileira já tomou pelo menos a primeira dose, e isso demonstra uma excelente aceitabilidade da vacina pela população e isso talvez seja o nosso maior ponto positivo”, ressalta Croda.
No momento, o país tem a menor média móvel de mortes e casos desde o ano passado. De acordo com levantamento do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), são registradas, em média, por dia 453 mortes e 15.011 casos de covid-19. Mas, em absoluto, significa que o momento é de trégua. “O fato de termos chegado a 400 óbitos por dia não é nada a ser celebrado. É alguma coisa que se celebra porque em outros momentos já tivemos quase 4 mil por dia”, afirma o infectologista e presidente da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, David Urbaez. Apesar da melhora, os especialistas indicam que o momento ainda é de cautela para abrir mão das medidas não farmacológicas, como isolamento e uso de máscara.