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ENTREVISTA Waleska Barbosa, jornalista e escritora campinense, diz ser uma “escrevivente”

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“Campina que Faz”, audacioso projeto do BOA NOTÍCIA PB, inicia a série de entrevistas que será publicada sempre aos domingos com campinenses que se distinguem no seu cotidiano pelo fazer e o doar-se no seu ofício, projetando a “cidade do Festival de Inverno” para outros “rincões”.

Waleska Barbosa, jornalista e agora escritora, é a nossa primeira entrevistada. Ela faz reflexão essencialmente sobre o seu primeiro livro de crônicas “ QUE O NOSSO OLHAR NÃO SE ACOSTUME ÀS AUSÊNCIAS”, lançamento independente, mas que agora será relançado pela editora Arolê Cultural.

Campinense de raiz familiar profundamente identificada com a cidade, há mais de uma década reside e trabalha em Brasília. Waleska recorda que sua “vida/infância/família sempre foi permeada pela culturae enfatiza que “ Os livros mudam vidas”.

Ela pondera também sobre o desafio de ser escritora em um tempo e no país onde as pessoas reservam tempo reduzido à leitura. A pujança e o avanço das mídias digitais e os seus projetos para os próximos livros são pontualmente comentados pela escritora.

Waleska Barbosa faz questão de definir-se como  uma “escrevivente”.

CONFIRA A ENTREVISTA:

BN – A nova edição do seu livro “Que o Nosso Olhar não se Acostume às Ausências” chega em instante oportuno para a reflexão acerca de tantas ausências eternas. Como avalia esse contexto?

WALESKA BARBOSA – No Brasil vivemos um contexto, um momento histórico perigoso. Em que a aproximação do fascismo e de práticas de ódio – isso como política de Estado, se refletem na perda de direitos adquiridos, no aumento da violência, da fome e de outras mazelas sociais. O quadro se agrava quando falamos nas pessoas vivendo em situação de vulnerabilidade, nas minorias, ou maiorias invisibilizadas, nos povos originários, na população negra, nas mulheres e, entre elas, as mulheres negras. Além disso, a Pandemia de Covid 19, que já matou mais de 200 mil pessoas no país, funciona como uma lente de aumento, tanto para evidenciar os descalabros quanto para aumentá-los. O livro que traz no título esse apelo “Que o nosso olhar não se acostume às ausências”, é um pedido, um convite, um chamamento para que não neguemos os perigos dessa realidade. É um apelo para que atuemos com todas as forças, individual e coletivamente, contra o patriarcado, o machismo, o racismo, o feminicídio, o abuso sexual de crianças e adolescentes para que o bem-viver seja o pano de fundo de nossa vida e das nossas manifestações sociais e culturais. O livro de crônicas aborda alguns desses temas, a partir da minha voz em primeira pessoa. Cada texto pode ser considerado um lembrete, um abrir de olhos. Um convite para que possamos fazer a diferença. 

BN – A edição primeira alcançou o propósito da escritora Walesa Barbosa?

WALESKA BARBOSA – Sim, alcançou. Foi um livro editado de forma independente, ou seja, a maioria das etapas foi realizada por mim. Antes disso, eu não sabia que poderia fazer isso, editar um livro. Aprendi muito no processo, que envolveu falhas, sim. Mas precisou da coragem do “ir com medo” ou de perdoar a mim mesma. Contei com uma grande rede – amigos e até pessoas desconhecidas – foram corresponsáveis pela realização do projeto. Em apenas duas semanas, o que era um sonho vago, se transformou em um produto editorial, que teve o projeto gráfico do Coletivo 105 e ilustração de capa de Sérgio Abajur, campinense radicado na Alemanha. Os custos de impressão foram bancados por uma pré-venda e, logo os 200 exemplares estavam esgotados. Fiz mais cem, também esgotados e me preparava para pensar em como lançá-lo novamente, face a inúmeros pedidos de leitores interessados em ter a obra, quando fui contratada por uma editora, a Arolê Cultural. O livro ocupou espaços como a Feira de Livros de Frankfurt, na Alemanha, fez parte da programação do Novembro Negro da Câmara dos Deputados, em Brasília. Foi lançada na Feira Literária de Campina Grande, inaugurou a Estante Preta da Banca da Conceição, e esteve na Feira Agroecológica da Ponta Norte, ambas em Brasília. Foi debatido, ainda, em roda de leitura no Rio de Janeiro. Também passei a  conduzir oficinas de escrita para mulheres, em especial, mulheres negras.

BN – Ser escritora em um planeta onde a cada dia as pessoas estão lendo e refletindo menos é desafio?

WALESKA BARBOSA – É um desafio, sim. Mas também para tomar esta assertiva e tentar desconstrui-la. O livro não vai morrer. Ele já mostrou sua força e importância ao longo da nossa história. Hoje há novas plataformas de leitura, de publicação, os avanços tecnológicos abriram outras possibilidades, inclusive de democratização do acesso à leitura, à publicação. Não podemos esquecer de um contexto macro. Da educação. Da gestão da vida e do tempo. Da oportunidade, a muitos negada, de fruição, de poder investir parte do dia na leitura de um livro. Tudo isso nos dá a obrigação de lutar por políticas públicas, por bibliotecas, pela promoção da cultura. Os livros mudam vidas. No meu livro, o texto “O feito de Chica”, conta a história de uma estudante de uma cidade do interior da Bahia que sofria por não ter biblioteca em sua escola, mas que contou com a parceria de uma funcionária do educandário que, vendo seu interesse, começou a emprestar livros que ficavam guardados na secretaria. A condição era que a menina realmente lesse os exemplares e provasse isso com a entrega de fichamentos. Ali nascia a semente que germinou em uma mulher que veio estudar em Brasília, hoje é mestranda, coordena projetos literários e se dedica em criar sua própria biblioteca. Essa pessoa existe. Eu a conheço e admiro. É uma que teve a vida modificada pelo acesso à leitura, pela paixão pelos livros. Mas não podemos admitir, apesar da beleza do episódio, que isso seja como um toque de mágica em uma única pessoa. Tem que ser universal. E acredito que isso deve ser compromisso também nosso, que escrevemos e publicamos. 

BN – O que motivou a jornalista Waleska Barbosa ser escritora?

WALESKA BARBOSA – A minha vida/infância/família sempre foi permeada pela cultura. Os livros estavam nas estantes em casa e antes que soubesse ler, admirava sua presença. Ainda menina, escrevia redações que as professoras elogiavam e me pediam para levar à Dona Teresinha Leite, diretora do colégio Domingos Sávio, onde eu estudei até a quarta série. Era escrevendo que eu me entendia, me expressava, quebrava um pouco do silêncio imposto às crianças, em especial, às meninas, naquele tempo que os adultos não viam as crianças como sujeitos de direitos. Desde antes de cursar jornalismo pela Universidade Estadual da Paraíba, já atuava como comunicadora, escrevia colunas em jornais, enviava textos para serem publicados nas seções de leitores nos jornais impressos da cidade, etc. Depois, já formada e em Brasília, escrevi crônicas diárias no jornal Tribuna do Brasil, meu primeiro emprego na cidade. Em 2017, resolvi assumir o desejo de escrever e abri o blog www.umpordiawb.com.br. O livro é uma compilação de textos que foram publicados inicialmente lá. Ou seja, eu sempre fui escritora, mesmo que isso não se materializasse em um objeto concreto chamado livro. A vontade de ser uma autora, de entrar no mercado editorial, literário, veio também com esse desejo de sair do espaço virtual e passar para a concretude possível das páginas em papel e de uma militância mais aguerrida, por meio das palavras, das reflexões escritas, voltada às causas em que acredito e me envolvo.

BN – Quem lhe inspira no universo literário?

WALESKA BARBOSA – Eu me considero uma cronista. E, nesse gênero, sou absolutamente apaixonada pela obra de Rubem Braga. A escritora mineira Conceição Evaristo, a quem tomo como guia, chama o escrever de pessoas negras que se dedicam a falar de si, a contar sua própria história, de ‘escreviver’. Sou uma escrevivente também. E hoje não prescindo das obras de autoria negra e feminina para entender e atuar no meu fazer literário. 

BN – Que reflexão central você pretende deixar para o leitor nesse seu livro?

WALESKA BARBOSA – Seria bom se leitores e leitoras pudessem voltar para me contar essa história (rsrsr) sobre sua reflexão central. O livro tem um limite, né? Depois que ele está em uma prateleira ou no colo de uma leitora ou leitor, ele é reescrito pelo olhar, pelas referências, vivências individuais. E aí é que mora a magia desse belo processo da leitura. Eu escrevo textos curtos, de uma visão pessoal, sobre temas que me tocam diariamente. Pode ser amor, pode ser racismo, pode ser maternidade, pode ser desilusão, pode ser beleza, pode ser recontar algo que soube por alguém, pode ser a dor de constatar problemas sociais. Tudo isso emoldurado pelo título/convite/apelo “Que o nosso olhar não se acostume às ausências”. Se diante do que ele traz, alguém conseguir se aproximar de si, lembrar de algo, se identificar, refletir, rir, chorar, se emocionar de alguma forma, acho que a missão de escritora estará sendo cumprida. 

BN – Como escritora e jornalista, qual a sua opinião sobre a predominância das mídias digitais e o mundo online que se consolidam?

WALESKA BARBOSA – Sou de uma geração que viu os primeiros debates sobre as consequências da Internet no jornalismo – era quando se falava em mortes. De jornal, de rádio, de profissionais. O tempo é esse tratorzão, mesmo. Acho que estamos vivos. Ressuscitados. Transformados. A comunicação e o jornalismo e tudo o que veio com a Internet. As mídias digitais e o mundo online. Embora ainda tateando num sem-fim de possibilidades. Diante do que o anonimato suposto de uma Rede Social ou de plataformas de interação e comunicação pode significar, são suscitados debates urgentes sobre Fake News, a Web profunda, enfim. Também não podemos esquecer da qualidade da Internet no Brasil, seu preço e seu acesso desigual e ainda ínfimo diante do tamanho da nossa extensão territorial e da nossa população. Como em muitos outros aspectos que já falamos até aqui, nessa entrevista, ainda há muito a ser feito, a ser conquistado, a ser considerado, inclusive em termos legais. A Internet, o telefone celular, deu voz a muita gente. Significou uma forma de se colocar no mundo. Quando isso é usada com propósitos bonitos e importantes, quando propõe mudanças, como as redes de comunicação das periferias, dos povos indígenas e tantas outras vertentes isso é revolucionário e deve ser incentivado. Há que se apropriar também dos meios de produção, nesse sentido, há vários projetos de incentivo à entrada de meninas e mulheres no mundo da programação. São muitas variáveis. Nosso olhar deve estar atento à presença ou ausência de todas elas. 

BN – A leitura reflexiva vai sobreviver a essa nova realidade?

WALESKA BARBOSA – Acredito que sim. Há uma grande revolução acontecendo nesse sentido, tendo como suporte as Redes Sociais. Mas sempre me preocupo com a exclusão de quem não consegue alcançar ou não é alcançado por nada disso ainda. A leitura ou acesso a ela, não pode ser colocado como um ponto de vaidade. De poder. De competição. É preciso querer chegar a mais pessoas, contribuindo com a possibilidade desse chegar. 

BN – Tem projeto para novo livro?

WALESKA BARBOSA – Acabei de ser contratada, por cinco anos, pela editora Arolê Cultural. O livro “Que o nosso olhar não se acostume às ausências, ainda vai começar o seu percurso novo. A previsão é que seja lançado em março. Aproveito para convidar os leitores do Boa Notícia a adquirir a obra e acompanhar o meu trabalho. Vem aí uma estrada que pretendo percorrer com calma. Alimentando-me no caminho pela leitura, pela interação e troca com as pessoas. O novo livro ainda não nasceu em mim. A não ser como a semente que a gente sabe que está em algum lugar do terreno. Dia desses, eclodirá. 

BN – Por que as pessoas se acostumam rapidamente com as ausências?

WALESKA BARBOSA – Essa é a pergunta que me faço. E faço a cada pessoa que me lê nesse instante. Por quê? Como pano de fundo, há a voz e a narrativa que fundou a nossa história como humanidade. Os apagamentos dos outros lados, das outras vozes. O silenciamento de narrativas que não representem o que se propõe como estrutura dominante. Há os opressores. As lutas ideológicas. Precisamos nos comprometer em ter um olhar crítico, a ser inteligente, escolher nossas causas (e que elas considerem as ausências). A estudar. A abdicar de preconceitos. A abrir nosso olhar. Nosso estar no mundo. Para tudo isso, eu lembro: “Que o nosso olhar não se acostume às ausências”.

Por: Vanildo Silva
Jornalista, multimídia, editor do BOA NOTÍCIA PB