A Universidade Federal da Paraíba (UFPB) posiciona o estado na dianteira quanto à utilização de tecnologia para auxiliar na detecção de crimes eleitorais que envolvem o mau uso de inteligência artificial (IA) e deepfakes de áudio. O pioneirismo se deu com o lançamento, na última sexta-feira (19), do sistema uIAra, durante evento na sede do Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba (TRE-PB), em João Pessoa.
Na solenidade de lançamento, o Pró-reitor de Planejamento e Desenvolvimento (Proplan) da UFPB, Prof. Paulo de Tarso da Costa Henriques, representou a Reitoria da Instituição.
O sistema uIAra, desenvolvido pela UFPB em parceria com o TRE-PB, foi formatado para auxiliar magistrados na tomada de decisões, sobretudo em processos que abrangem a utilização indevida da inteligência artificial, com foco na identificação das deepfakes de áudio, também conhecida como clonagem de voz, que são áudios manipulados ou sintetizados por IA para parecerem autênticos. As alterações são, geralmente, mal intencionadas, fazendo parecer que a pessoa retratada está dizendo algo que nunca aconteceu na realidade.
Em fevereiro deste ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em regulamentação sobre a IA nas eleições, proibiu o uso de deepfakes e obrigou a veiculação de aviso sobre o uso de inteligência artificial na propaganda eleitoral. As novas regras já são válidas para o pleito deste ano. Segundo o TSE, caso o candidato descumpra a legislação, poderá ter o registro ou mandato cassado, com apuração das responsabilidades conforme o disposto no Código Eleitoral;
A uIAra, portanto, é um sistema inédito que dará suporte às decisões dos magistrados nesses casos. O professor Leonardo Lopes, pró-reitor de pós-graduação e coordenador do Laboratório Integrado de Estudos da Voz (LIEV), um dos envolvidos no desenvolvimento da ferramenta, explica como os juízes e magistrados vão utilizar a uIAra.
“No momento em que alguém denunciar que um áudio não é verdadeiro, o juiz designado para a demanda poderá fazer o upload desse material e a uIAra vai mostrar se a voz analisada é autêntica ou se é uma deepfake, indicando percentualmente a probabilidade deste resultado”, explica o docente, que atua em três programas de pós-graduação da UFPB, entre os quais o de linguística e de fonoaudiologia, cujos conhecimentos foram importantes no desenvolvimento da uIAra.
Ainda de acordo com ele, a tecnologia por trás da uIAra é uma IA de aprendizagem profunda (deep learning), que se caracteriza pela inspiração na estrutura neural de organismos inteligentes, semelhante ao cérebro humano. Isso proporciona o aprendizado “profundo” e a diferencia das demais categorias de IA. Foram utilizados mais de 1.500 pares de amostras de fala, de pessoas da região e de outras partes do país, para ‘treinar’ a ferramenta, que também foi alimentada com material audiovisual dos próprios políticos disponíveis em plataformas na internet e nas redes sociais.
“Com todo esse material, criamos uma voz ‘clone’ das vozes originais para alimentar a ferramenta e ajudá-la a ser cada vez mais precisa no reconhecimento de vozes falsas [deepfakes] ou verdadeiras. Alimentando-a constantemente, ela é capaz de identificar características e padrões que são típicos de vozes humanas reais e de vozes que foram geradas artificialmente”, afirma Leonardo Lopes.
O desenvolvimento da solução, com a consequente entrega da ferramenta em prol da sociedade, teve um caráter interdisciplinar e abarcou pesquisadores de áreas distintas. O professor Alisson Brito, coordenador do Laboratório de Engenharias de Sistema e Robóticas (Laser), outra unidade da Universidade envolvida no projeto, conta que a interdisciplinaridade é o fator diferencial da uIAra.
“Nós estávamos com pesquisas em andamento e apresentamos resultados preliminares do TRE, que concordou em investir no projeto para que ele pudesse avançar e se tornar uma ferramenta. A multidisciplinaridade é essencial neste projeto e fator diferencial com relação a outras soluções existentes. Estamos unindo conhecimentos da fonoaudiologia, da engenharia de software, da inteligência artificial e até da Física para montar a melhor solução possível”, afirma Alisson.
Até o momento, a uIAra está disponível para ser utilizada exclusivamente pelo TRE-PB, por questões de segurança. A medida mantém pessoas mal intencionadas afastadas do sistema, impedindo que compreendam seu funcionamento e passem a enganar a inteligência artificial. No entanto, a equipe responsável pelo sistema recebeu, no evento de lançamento da uIAra, convite de desembargadores de outros estados para o desenvolvimento de sistemas semelhantes, o que deve ajudar outros órgãos de justiça a combater delitos eleitorais.
Em nome da UFPB, o titular da Proplan, Prof. Paulo de Tarso da Costa Henriques, parabenizou os desenvolvedores pelo feito. “Os professores Leonardo Lopes e Alisson Brito, bem como suas equipes, estão de parabéns pelo desenvolvimento da ferramenta, demonstrando, mais uma vez, que a UFPB vem atendendo às demandas da sociedade, a partir da geração de ciência e tecnologia”, afirma Paulo de Tarso.
“Considerando que as deepfakes estão cada vez mais aperfeiçoadas e que este é um ano eleitoral, a uIAra foi lançada em um período estratégico. Esperamos que ela aperfeiçoe o processo eleitoral com um trabalho educativo – as pessoas vão pensar duas vezes antes de praticar o delito – ao mesmo tempo em que combate os crimes eleitorais cibernéticos. Sabemos o quanto um áudio que parece autêntico pode deturpar a opinião pública, a reputação do político ou até mesmo pôr em dúvida a credibilidade de uma pessoa”, acrescenta Leonardo Lopes.
Sobre o nome uIARa
O nome do sistema é inspirado na Iara, entidade que faz parte do folclore brasileiro e que, em algumas localidades, também é conhecida como Uiara. Na lenda, diz-se que a Iara é uma sereia, sendo parte mulher e parte peixe. Ela mora dentro de um rio, possui notável beleza física e bela voz, atributos que utiliza para seduzir navegantes ou homens que estão às margens dos rios. Por essa razão, a lenda da Iara inspirou o nome da ferramenta.
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Texto: Vinícius Vieira, com informações do TRE-PB
Edição: Aline Lins
Ascom/UFPB