A Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Sociotransformadora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) promoveu sexta-feira, 26 de fevereiro, um encontro entre a Aliança Internacional das Organizações Católicas para o Desenvolvimento (Cidse) e a Presidência da CNBB e bispos referenciais de organismos que atuam com populações vulneráveis do Brasil. Durante a reunião, realizada por meio de videoconferência, representantes das entidades destacaram como inspirador o trabalho do episcopado e das pastorais brasileiros na luta pela dignidade humana e justiça social.
“Eu acho que a CNBB e um grupo grande de bispos são para nós uma inspiração, são para nós luz, admiração e gratidão. Dinheiro não faz as coisas, são pessoas que fazem as coisas. São ideias, são princípios, é paixão, o entusiasmo, o compromisso. Com todo esse cenário triste de violação, a gente se sente muito inspirado por vocês serem essa voz que não se cala e a gente sabe o quanto é complexo dizer a verdade num mundo onde predominam as fake news”, disse Cecília Iorio, da Catholic Agency for Overseas Development (Cafod).
Fazem parte da CIDSE um conjunto de entidades católicas que atuam com projetos de desenvolvimento em diferentes realidades, como ecologia integral, mineração, agroecologia, incidência política, entre outras temáticas. A cada dois anos, o grupo dialoga com a Presidência da CNBB sobre as realidades nas quais atuam com o financiamento de iniciativas. Este foi o primeiro encontro com a atual direção da Conferência.
A Presidência da CNBB iniciou o momento de partilha recordando as diversas iniciativas no âmbito de ajuda humanitária no contexto da pandemia do novo coronavírus e as consequências econômicas que são enfrentadas na atualidade, que também refletem-se no apoio da entidade a projetos sociais em todo o Brasil. Participaram do encontro o arcebispo de Belo Horizonte (MG) e presidente da CNBB, dom Walmor Oliveira de Azevedo; o arcebispo de Porto Alegre e primeiro vice-presidente, dom Jaime Spengler; e o bispo auxiliar da arquidiocese do Rio de Janeiro (RJ) e secretário-geral, dom Joel Portella Amado.
O contexto de vulnerabilidade no Brasil
Na sequência, bispos referenciais de comissões e organismos partilharam sobre o contexto das realidades nas quais atuam e manifestaram gratidão ao apoio das entidades. O bispo auxiliar da arquidiocese de Belo Horizonte (MG) e membro da Comissão Especial para a Ecologia Integral e Mineração da CNBB, dom Vicente Ferreira, afirmou que o sofrimento do povo está ligado a uma ameaça contínua às reservas de ecologia. Ele lamentou que, enquanto as iniciativas da Igreja buscam oferecer ajuda, o poder econômico gera grandes impactos às comunidades, como um “Golias de morte”.
O bispo da prelazia de Marajó (PA) e presidente da Comissão Episcopal Especial para o Enfrentamento ao Tráfico Humano da CNBB, dom Evaristo Pascoal Spengler, falou sobre o contexto do tráfico de pessoas e o aumento do aliciamento virtual das vítimas nos últimos meses, apresentando o trabalho desenvolvido pela comissão.
O arcebispo de Porto Velho (RO) e presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), dom Roque Paloschi, agradeceu às agências “sempre solícitas, solidárias e generosas”. Dom Roque ressaltou que a realidade no Brasil atualmente é de fome, “do pão, da carne, mas também de direitos e de justiça”, e lamentou a “falta de profetismo para lutar por políticas públicas”. Ele comentou sobre a realidade dos povos indígenas no Brasil e sobre os novos rumos da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam) com as mudanças diretivas recentes.
O bispo emérito de Ruy Barbosa (BA) e presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), dom André De Witte, lamentou que o atual contexto faz com que os passos dados em favor dos povos vulneráveis estejam ameaçados. Mas manifestou satisfação pela decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em acatar a sugestão da CNBB para que o judiciário não autorize despejos coletivos na pandemia. “Essa inspiração humana e evangélica é outro ponto de partida”, afirmou. Dom André também comentou do processo de construção da 6ª Semana Social Brasileira, que terá como tema Mutirão pela vida: Por Terra, Teto e Trabalho.
O bispo de Brejo (MA) e presidente da Comissão para a Ação Sociotransformadora da CNBB, dom Valdeci Santos Mendes, também partilhou sobre as inspirações e a preparação para a 6ª Semana Social Brasileira, além dos grandes desafios para as Pastorais Sociais, as quais precisam do apoio das agências de cooperação internacional para a continuidade do trabalho.
A situação das agências
Após a partilha dos bispos, os representantes das agências puderam apresentar a situação atual de suas organizações e as prioridades de apoio no Brasil e no mundo. As organizações informaram sobre os processos internos de redefinição de prioridades e áreas de atuação. Algumas delas, que atuaram no Brasil por vários anos, direcionará seus apoios para outros contextos.
Mas as entidades presentes na reunião, mesmo com redefinições e limitações por conta do contexto econômico de seus países de origem, também afetados pela pandemia, vão continuar a incidir em realidades necessitadas aqui no Brasil. As agências continuarão com trabalhos frente às crises do clima, das desigualdades e da Covid-19; apoiarão projetos para superação da fome, para promoção de direitos humanos, da participação das mulheres e da juventude em processos de transformação; também estarão presentes na Amazônia, no Cerrado e na realidade indígena.
Participaram do encontro a Adveniat, da Alemanha; a Cafod, do Reino Unido; o Comitê Católico contra a fome e para o desenvolvimento (CCDF), da França; a DKA Áustria; a DP Cáritas Canadá; a Entraide et Fraternité, da Bélgica; a Manos Unidas, da Espanha; e a Misereor, da Alemanha.
Quatro indicações para reflexão
O primeiro-vice presidente da CNBB, dom Jaime Spengler, ficou responsável por oferecer uma palavra final aos participantes. Sua análise é de que diante da série de possibilidades apresentadas, “nos vemos confrontados com prioridades e, diante disso, precisamos construir opções”. O bispo, que se disse encantado com a partilha da Cidse, propôs alguns pontos para reflexão:
Aquilo que o Papa dizia em março do ano passado, eu creio muito sério: ‘uma noite escura se abateu sobre os povos’, sobre todos nós, nos sentimos angustiados. Para além das situações, das diversas nações, há uma angústia, a barca da humanidade se encontra na tempestade.
Aquilo que o Papa alguns anos atrás destacou parece mais evidente: o sistema financeiro econômico que rege a atual sociedade, mais do que nunca precisa de revisão. É impressionante é quem nos traz isso não são os grandes economistas, mas um vírus.
Há certamente muita dor e muita morte acontecendo entre nós todos. Mas também eu creio que vale a pena destacar, e precisamos destacar, o quanto de solidariedade está acontecendo entre nações, entidades, comunidades, sobretudo no meio dos nossos pobres. É aqui que a gente sente ainda mais vigorosamente o quanto o pobre tem dignidade.
Muito se faz com eficiência. Eu creio que na simplicidade das nossas comunidades, das nossas instituições, muito se faz com tanto de eficiência – talvez precisamos ainda de maior transparência – e, apesar das dificuldades todas, dos desafios que temos pela frente, nós não podemos permitir que a caridade venha menos. Parafraseando o Papa, ‘não podemos permitir que nos roubem a esperança’.
Fonte: CNBB